CVM lança nova iniciativa para regular tokenização no Brasil
Recentemente, Bruno Gomes, superintendente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), anunciou que a autarquia está se preparando para implementar novas regras que visam impulsionar o mercado de tokenização no Brasil. Essa movimentação inclui uma revisão significativa da Lei de Crowdfunding, além de aprimoramentos na Resolução 135, que regula o sandbox, método que permite um ambiente de testes para inovações.
A CVM também solicitou ao Centro de Regulação e Inovação Aplicada (Cria) um estudo sobre como a blockchain pode ser incorporada em depositários centrais e no mercado de balcão. Atualmente, a CVM já utiliza tecnologia blockchain e tokens nos seus experimentos regulatórios, tendo recentemente aprovado a BEE4, a primeira empresa no Brasil a operar totalmente com tokenização fora do sandbox.
Essa nova abordagem promete eliminar intermediários, redefinindo o papel das depositárias centrais. Isso pode facilitar o acesso de empresas menores ao mercado, tornando o processo mais barato e ágil. Mas, claro, surgem perguntas como: quem perde poder nesta nova configuração? E estamos prontos para um ambiente mais descentralizado?
Para aprofundar a discussão, conversamos com Keiji Sakai, CEO da águilahub e ex-executivo de grandes bancos. Segundo ele, essa conversa sobre tokenização é mais do que uma questão de eficiência; trata-se de repensar toda a estrutura do sistema financeiro.
Objetivos estratégicos da CVM
Cointelegraph Brasil (CTBR): Quais são os objetivos da CVM com o estudo sobre tokenização e blockchain?
Keiji Sakai (KS): Apesar do Cria ter sido oficialmente criado no final de 2023, essa ação reflete um movimento claro da CVM para entender como novas tecnologias impactam o mercado de capitais brasileiro. A CVM quer explorar como blockchain e tokenização podem:
- Melhorar a eficiência de operações e registros, diminuindo custos e acelerando transações.
- Aumentar a segurança dos registros, utilizando a confiabilidade da blockchain para reduzir fraudes.
- Expandir o acesso ao mercado de capitais, possibilitando a fragmentação de ativos e potencialmente sua democratização.
É crucial que a CVM compreenda como essas novas tecnologias podem alterar as funções das infraestruturas de mercado, quais riscos podem emergir de um modelo menos centralizado e como a regulação pode evoluir para suportar essas mudanças, garantindo a segurança jurídica dos participantes.
Mudança regulatória
CTBR: Quais atualizações regulatórias são necessárias?
KS: Não sou especialista em regulação, mas acredito que algumas questões precisam de revisão para que a blockchain e a tokenização sejam adotadas de maneira mais ampla.
Um ponto essencial é a definição das responsabilidades nas transações tokenizadas. O modelo atual foi desenvolvido levando em conta intermediários que têm papéis fiduciários claros.
Historicamente, essas funções centralizadas garantiam segurança ao sistema. À medida que passamos para modelos descentralizados, as regulamentações precisam evoluir para assegurar que a transição mantenha a segurança jurídica e acomode os novos participantes do mercado.
Precisamos realmente de blockchain?
CTBR: Qual a necessidade de modernizar as regras de tokenização?
KS: Aqui, faço uma ressalva. É essencial que a tokenização traga benefícios financeiros concretos. Por que tokenizar uma ação se o processo continuar sendo o mesmo? Se a tokenização não otimizar custos ou ampliar o acesso a investidores, pode acabar apenas adicionando complexidade.
A verdadeira vantagem da tokenização apareceria se os processos fossem aprimorados para gerar redução de custos e facilitar a inserção de novos investidores, aumentando a liquidez.
Novos players no mercado
CTBR: Com a criação do sandbox, novas empresas como a BEE4 surgiram. Mais inovações estão por vir?
KS: Sem dúvida, novas empresas podem aparecer com propostas inovadoras para o mercado de capitais. A tokenização pode abrir portas para negociações de ativos menos líquidos, e empresas menores podem se beneficiar desse novo contexto.
Entretanto, existem limitações, especialmente quando falamos de altíssima liquidez. Por exemplo, a B3 processa milhões de transações por segundo em um modelo muito eficaz, enquanto a blockchain ainda não oferece esse nível de desempenho. Mas para o mercado de balcão, a tokenização promete aumentar a eficiência e reduzir custos de maneira significativa.
Registro dos ativos
CTBR: Como funciona o registro de ativos na prática?
KS: Historicamente, os ativos financeiros passavam por processos manuais, com documentos físicos. Com o tempo, evoluímos para registros eletrônicos mais eficientes, mas que ainda dependem de bases de dados centralizadas sob a gestão de instituições reconhecidas.
A CETIP, criada em 1984, centralizou o registro e a liquidação de títulos privados, promovendo segurança e padronização. Hoje, mesmo digitalizados, os registros ainda precisam dessa guarda centralizada para garantir a segurança das operações.
Tecnologia
CTBR: Como funciona o registro de ativos do ponto de vista tecnológico?
KS: O registro de ativos é feito a partir do envio das informações para sistemas das Infraestruturas do Mercado Financeiro. Existem diferentes formas de fazer isso: através de upload de arquivos, digitação manual ou integração de sistemas através de mensageria eletrônica.
Contudo, o registro não é em tempo real; as instituições têm prazos regulatórios específicos para fazer isso, geralmente até D+1. Essas informações são armazenadas em bancos de dados centralizados, protegidos por mecanismos robustos de segurança.
Impacto no mercado
CTBR: Quais os impactos potenciais das novas regras?
KS: Qualquer grande mudança pode trazer impactos significativos. Se a blockchain conseguir eliminar a necessidade de registros nas instituições tradicionais, isso poderia alterar profundamente a estrutura das infraestruturas atuais.
As empresas que trabalham com tokens passariam a ter um modelo de negócios mais claro e viável, uma vez que os custos operacionais se tornariam menores. Além disso, a possibilidade de uma negociação mais ágil pode aumentar a liquidez do mercado, beneficiando empresas menores que hoje enfrentam dificuldades de acesso.
Os desafios regulatórios sobre como essas mudanças vão funcionar ainda precisam ser tratados, mas a perspectiva é promissora.
Riscos
CTBR: Quais são os riscos da adoção rápida de novas tecnologias financeiras?
KS: A inovação traz riscos, como operacionais, cibernéticos e regulatórios. Historicamente, sempre que surgem problemas, o mercado evolui para resolvê-los. Com a adoção de tecnologias como blockchain e tokenização, desafios como a proteção ao consumidor e a confiança no sistema se tornam relevantes.
Os riscos são reais, mas também surgirão soluções à medida que as tecnologias amadurecem. Isso incluirá novos marcos regulatórios, melhorias em segurança e educação para o mercado. A adaptação contínua será essencial para garantir que a inovação traga mais benefícios do que riscos.